O que podemos aprender com a repreensão do Zico

*André Chediek

03.03.1953. Nascia Arthur Antunes Coimbra. Certamente você o conhece, estamos falando do Zico, o craque do futebol que completa hoje 70 anos. Um ídolo não só por fazer a alegria de centenas de pessoas no campo, mas também por sua conduta como ser humano.

No início do ano, o maior ídolo da história do Flamengo foi a público e fez um apelo à torcida para que respeitasse ex-ídolos do futebol, sem ofensas. Isso porque durante o jogo que marcou a estreia do Flamengo no Campeonato Carioca contra o Audax, o grito de guerra da torcida – que mencionava Zico – fazia ofensas a Pelé e Maradona.

Nesse momento de tanta turbulência política é inevitável fazer um paralelo ao ver essa publicação desse meu ídolo, Zico. Não conheço sua posição política, mas minha admiração por ele não mudaria, até pelo que pude conhecer da pessoa que é na vida, nas disputas, nas derrotas e nas vitórias. Da mesma forma que não perco a admiração pelo meu pai, pela minha mãe, por outros familiares se por acaso têm uma opinião política divergente da minha.

Para não deixar dúvida aqui, me refiro à política com base em sua etimologia, que vem do grego politikos, que significa “cívico”, que por sua vez se originou da palavra polites, que quer dizer “cidadão”. Considerando que, como seres interdependentes que somos, a vida pública faz parte do interesse de todo “cidadão”. E uma opinião e o posicionamento político falam de como coloco o bem comum acima dos interesses individuais.

De forma que, exercemos a política na vida, em nosso cotidiano, e não só quando vamos às urnas ou publicamos mensagens de apoio a um político A, B, C ou D. Indo mais além, acredito que uma atitude tem valor político quando é, de fato, pautada no coletivo. E esse coletivo a que me refiro não é o “coletivo de quem pensa igual a mim”, mas sim o coletivo que considera TODA a sociedade, sem distinção.

E foi nesse ponto que o vídeo do Zico me tocou, me fez refletir e motivou esse texto. Para ele poderia ser mais “conveniente” (individualmente) ficar quieto, deixar passar essa história. Mas não. Ele, como uma das figuras centrais daquele acontecimento, deu um passo à frente, mostrou sua cara e manifestou claramente o seu pensamento como CIDADÃO. Fazendo um posicionamento crítico e repreensivo às pessoas que estavam ecoando um grito, tido como um grito idolatria (e aqui reforço que discordo dessa “justificativa”), à sua própria figura.

Ou seja, para ele o mais importante não era que o intuito dessas pessoas pudesse ser de manifestar a “idolatria ao ídolo Zico”, mas sim o fato de que para enaltecer uma pessoa não precisamos ofender, agredir outros ídolos. Ele é ídolo para seus fãs pelo que nos identificamos com o que ele é como pessoa, e não pelo que os outros fazem e recriminamos ou desqualificamos.

E seguindo na analogia ao vídeo do Zico, a forma que ele discordou e manifestou o seu posicionamento foi também, em minha opinião, admirável. Que possamos, como seres da mesma espécie e interdependentes que somos, aproveitar esses momentos desafiadores para exercitar nossos valores humanos de amor e respeito ao próximo, aplicando esses valores no coletivo, em TODA a sociedade. Posso estar equivocado, mas sinto que isso pode fazer toda a diferença: sermos capazes de abandonar fanatismos.

Como diz outro ídolo, Ariano Suassuna, “O fanatismo e a inteligência nunca moraram na mesma casa”. E ainda sobre esse tema, Voltaire afirmou: “Quando o fanatismo gangrena o cérebro, a enfermidade é incurável”. Precisamos seguir usando nossas propriedades intelectuais a favor da vida, do coletivo e da união. E não ao contrário.

Que essas situações de crise não nos desviem do nosso caminho, como seres em evolução. Que possamos usar nossos potenciais a favor do nosso propósito (coletivo e individual, nessa ordem), da nossa conexão com a vida, com base no amor e no respeito. E assim podemos interagir como seres humanos, utilizando nossas faculdades humanas e discutindo ideias. Não tenho dúvida que colocando o que desejamos no debate teremos muito mais afinidades e encontros criativos entre nós, isso atrai, une e cria força. O que não é interesse da minoria manipuladora e fora de lugar, que busca interesses pessoais acima dos coletivos, por mais que ocupem cargos públicos.

E acredito que essa união pode acontecer mesmo que essas pessoas, teoricamente, sejam “adversárias” políticas, ou que tenham votado em candidatos “opostos”. Porque se discutimos, se levamos para o debate, as divergências nos levam para uma sensação interna de perigo e vou para o ataque, caindo facilmente nos meus fanatismos, gerados por feridas de nossa história ou da história de pessoas próximas que amamos. E não percebemos que essa lealdade nos desconecta do presente, fechamos os olhos para coisas que não condizem com nossos valores simplesmente porque elas alimentam o nosso ego. Em outras palavras, essas situações de polarização, por vários motivos, não trazem nossa melhor versão à cena. E passamos a dialogar entre as nossas piores versões.

Quando, ou se, nos damos conta, estamos defendendo, apoiando atos ilegais (seja da população, seja de autoridades), a censura, a tortura, o interesse de uma parcela em detrimento do sofrimento de outra, clamando por “morte aos assassinos”, como se os fins justificassem os meios. E aí, além dos que se manifestam abertamente em apoio, incluo os coniventes, indiferentes porque “não é comigo” ou “porque o outro também fez”.

Voltando ao ponto que queria trazer, podemos levar de um bom lugar interno o que desejamos, o que pode beneficiar a sociedade e o nosso coletivo, nos focando em ideias. Essas ideias aproximam, nos fazem sentir bem, criando um terreno fértil a novas ideias, criativo, que nos une como pessoas, nos faz sentir ainda melhor, possibilitando que cada vez mais, melhores versões nossas vão ao mundo, com enorme potência.

Temos vários exemplos na história de pessoas (vivendo sua plena potência) que conseguiram vencer desafios imensos, unir as pessoas em situações de grande desordem. E como disse N. Sri Ram, “Quando um ser humano consegue isso, é sinal de que todos nós temos esse potencial, essa possibilidade. O patrimônio de um ser humano que se revela é o patrimônio de todos os seres humanos que está oculto.”

E não faltam bons exemplos na história da humanidade: Mandela, Gandhi, Sidarta Gautama, Jesus, Martin Luther King, Madre Teresa, Dalai Lama, para citar alguns. Um que é vitorioso dá esperança a toda a humanidade. Mas aqui, não posso negar, curiosamente, o “bom exemplo” me tocou através de uma pequena manifestação de um ídolo de infância.

Acho até engraçado porque não trago a reflexão querendo comparar o Zico aos bons exemplos da história, nem mesmo comparar as situações que, sei, são bem distantes. Mas foi assistindo à manifestação dele que me tocou e trouxe o que escrevo. Trago com base a tudo que tem estado vibrando em mim neste período de extremismos políticos que vivemos no país. E também sabendo que a torcida atendeu ao pedido do ídolo e mudou a letra da música.

Peço licença para discutir a ideia do texto, que é de não abandonarmos a melhor versão de nós e nossos valores humanos mesmo nas situações mais críticas e que possamos pautar nossas ações políticas (como cidadãos) colocando o bem comum acima dos interesses individuais. Sem entrar em discussão sobre “pessoas”, como diz o provérbio chinês que pude conhecer através da mestra Lucia Helena Galvão: “Homens medíocres falam de outros homens, homens comuns falam de coisas, e os homens sábios falam de ideias”.

Concordo com isso, um assunto que influencia tanto na nossa vida, pode ser discutido para além de “essa ou aquela pessoa”.

E o que tudo isso tem a ver com as 5 Leis Biológicas?

A questão é como nos sentimos ao nos manifestarmos sobre determinado assunto. Como fica a nossa biologia? Assim como é o esporte, é a vida. Assim como é a política, é a vida.

Sei que a natureza irá continuar existindo com toda a sua força, de uma forma ou de outra, independentemente das opiniões. Mas sinto que, se a minha sensação interna não traz um bom lugar dentro de mim, acabo me afastando da minha conexão com a vida e a natureza, e facilmente trago à tona uma versão pior de mim. O contrário também é verdadeiro, quanto mais as minhas sensações, minha opinião, minha voz interna, me trazem conexão, presença e leveza para que eu siga exercendo meu propósito nesse mundo, me sinto melhor e mais conectado à vida.

Se essa minha opinião tem alguma importância, consonância, faz sentido, dê um bom lugar para você, ficarei feliz de podermos trocar boas relações no mesmo sentido. Também para você que essa opinião tenha alguma importância, mas não concorda, gostaria de ouvir em que diverge, como pensa em relação a esse assunto, para trocarmos boas relações mesmo que em sentidos diferentes. Só que usando aqueles princípios HUMANOS que citei, combinado?

Foram essas interações que moveram o mundo e a vida em toda a sua história evolutiva. A qualidade que queremos criar, cultivar essas interações, depende exclusivamente de cada um de nós. Tome um tempo para você, respire, sinta e, em presença, escolha…

 

* André Chediek é fisioterapeuta osteopata, constelador familiar e coordenador acadêmico da 5LB Brasil. Estuda as 5 Leis Biológicas desde 2010.

 
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