Nova percepção dos fatos: um caminho possível para a mudança interna
*André Chediek
A vida não é feita de fatos, mas sim de interpretações, significados que damos a esses fatos. Não é possível haver uma mudança interna real (mudança de comportamento, de fisiologia), sem uma nova percepção dos fatos, um novo significado das situações que nos ocorreram ou que ocorrem conosco.
Na nossa história há interpretações e percepções de situações que nos machucaram, que doeram e se tornaram “feridas”. Diante disso, precisamos encontrar maneiras de atuar, de agir. Desta forma, organizamos a nossa identidade, criada quase que de forma automática, como uma defesa para proteger a nossa essência que foi ferida. A isso também damos o nome de “personalidade”, o que é um termo perfeito, dado que persona vem do grego máscara. Por essa perspectiva, então, são máscaras que utilizamos para preservar a nossa essência e resguardar o nosso eu.
Se olharmos bem, conseguimos notar como nossa personalidade “muda” conforme o contexto social em que estamos envolvidos. Isto é, assumimos personalidades diferentes de acordo com a circunstância vivenciada, em geral, a fim de nos preservarmos.
Conhecer como funcionamos é fundamental, pois pode despertar uma atitude mais compassiva em relação a nós mesmos, gerando uma resposta mais gentil, aproximando cada vez mais nosso intelecto do nosso sentimento, nosso pensar do nosso sentir, podendo nos transformar em boa companhia para nós mesmos. E é desse lugar que mudanças podem acontecer, a partir de uma profunda reverência ao que nos ajudou a tornar suportável o insuportável. Diferentemente de um lugar de autocrítica, julgamento e autoflagelo, como se a nossa natureza estivesse simplesmente errada ou inadequada.
Nosso funcionamento, segundo as 5 Leis
Sabemos, através das 5 Leis Biológicas, o quanto toda a nossa forma de funcionar frente às situações é fruto de um aprendizado de milhões de anos, que garantiu a sobrevivência e o desenvolvimento da vida neste planeta, até chegar à nossa espécie, e que permitiu que viéssemos a este mundo desta forma. Esse tipo de resposta atua de maneira imediata, sem ser mediada pela nossa mente, exatamente para que possamos reagir e sobreviver a tempo. O que não quer dizer que, depois, refletindo ou revisitando o que passou, de maneira consciente, não podemos tomar novas escolhas e organizar novas respostas de defesa. Porém, claro, a partir de uma PERCEPÇÃO diferente da que houve naquele instante em que reagia de forma instintiva.
Em geral, não observamos objetivamente as situações que nos afetam, mas sim damos um significado a elas a partir de nosso mundo perceptivo. E que mundo perceptivo é esse? Como ele se formou? Esse mundo perceptivo é pessoal e fruto das experiências individuais pregressas, das crenças que carregamos, da nossa cultura, dos valores, do que aprendemos com pessoas próximas (que também podem gerar condicionamentos de acordo com o grau de confiança que temos nelas e suscetibilidade a sugestões externas), da visão de mundo e até das experiências transgeracionais , ou seja, vividas por nossos antepassados e que chegam até nós, mesmo sem nunca termos experienciado.
Dessa forma, tudo o que pensamos, julgamos, entendemos, agimos frente a uma pessoa ou situação é guiado pelo nosso mundo perceptivo. Isso ocorre automaticamente, ou seja, a tudo o que nos acontece e nos AFETA, atribuímos um significado, até para saber se é seguro ou uma ameaça, se devemos nos aproximar ou nos afastar, se expandimos ou retraímos. E é importante sabermos que essa “avaliação” da situação “filtrada” de forma automática pelo nosso mundo perceptivo acontece numa velocidade impressionante, estima-se que leva 30 milésimos de segundo (ms). Para se ter uma ideia, uma piscar de olhos leva em torno de 100 a 150ms, ou seja, a avaliação ocorre de 3 a 5 vezes mais rápido que um piscar de olhos. É tão automático e instantâneo que, sem conhecimento do processo, confundimos essa percepção com a verdade. E justamente por ser tão claro e instintivo, não deixa margem para dúvida.
Não precisamos ir muito longe para lembrar de situações onde divergimos de outras pessoas em suas “percepções”, mas de uma maneira extremamente enfática, onde nem damos margem à possibilidade de nossa percepção ter captado determinados sinais e sublimado outros, construindo uma cena ou um relato extremamente coerente a ponto de não admitirmos a possibilidade de equívoco. Isso vale para discussões políticas, futebolísticas (se foi uma entrada para cartão vermelho ou não), relacionais e etc. Todos terão algo a se recordar nesse sentido.
Conhecer o processo faz toda a diferença
Com segurança, podemos dizer: só o conhecimento nos liberta. Sabendo disso tudo, podemos agora nos esforçar para reconhecer que a REALIDADE captada por mim é a minha realidade, mas não significa que é real aos olhos de outros. Um gesto que requer conhecimento e humildade.
Porém, internamente, toda a nossa resposta bioquímica, fisiológica e comportamental reagirá com base na realidade que, individualmente, enxergamos. Ou seja, nos relacionamos com a gente mesmo, com os outros, com o mundo, guiados por nossas respostas perceptivas pré-organizadas que, ao longo do processo de desenvolvimento (e contexto), automatizamos.
Como assim, pré-organizadas que automatizamos? É isso mesmo, muitas das sensações experimentadas hoje, que geram perigo ou insegurança, já foram experienciadas antes, em sua maioria na nossa primeira infância, onde não tínhamos tantos recursos assim. E cada estratégia bem sucedida (leia-se bem sucedida como “que consegui escapar/sobreviver”), acaba sendo memorizada pelo nosso corpo para que em situações futuras interpretadas (através da nossa percepção) como compatíveis, possamos agir rapidamente, de maneira reflexa, para garantir nossa sobrevivência.
Assim, nossa natureza se organizou para que possamos dar conta de situações reais de ameaça. Contudo, hoje em dia, esse contexto é muito distinto do original em que, imersos na natureza, tínhamos como ameaças um predador, a fome, um inverno muito rigoroso, enfim, ameaças vitais e diretas.
Se por um lado, hoje, grande parte da população tem muitos recursos para lidar com essas situações, por outro, o tipo de sociedade “globalizada” nos leva, constantemente, a nos distrair das reais necessidades, apontando para “necessidades artificiais”, que têm um sentido muito mais figurado do que real.
Por exemplo, hoje vemos necessidades como ter um celular de último tipo, um carro novo, um número expressivo de “seguidores” e outras “demandas atuais” para aqueles que querem ser “bem-sucedidos”. Curiosamente, o corpo age de maneira igual, seja diante de uma necessidade vital ou artificial.
E quanto mais nos distraímos através desses comandos, mais nos desconectamos das nossas necessidades reais, buscando segurança, cegamente, através de semelhança, ou seja, repetindo o que os outros fazem.
Temos uma capacidade de atenção determinada, o que significa que quanto mais a direcionamos para fora, menos a direcionamos para dentro. Tal situação desvia nossa atenção e faz com que não percebamos como estamos atuando internamente, nos desconectando desse sentir, por meio de distrações externas que não nos permitem fazer contato com a gente mesmo.
Isso pode se dar através de comida, bebida, celular, videogame etc. Anestesiados, nos desconectamos das experiências internas – afinal, são desconfortáveis – para nos mantermos em segurança. Como se pudéssemos fugir delas simplesmente tirando-as do nosso “radar mental”, contudo, elas seguem atuando na nossa fisiologia. Isso ocorre em forma de ansiedade, raiva, depressão, tiques etc.
Porém esse “conforto” que buscamos constantemente nos deixa estagnados e nos tornamos vítimas, sem nos dar conta desses automatismos “protetores”. Ao mesmo tempo que nos protegem de fazer contato com feridas, dores e experiências desagradáveis, nos desconectam das experiências agradáveis e da possibilidade de viver a alegria e o entusiasmo.
Assim, a vida vai ficando mais neutra, mais cinza, onde cada vez mais nos afastamos da experiência, vivendo quase em anestesia, quando não, recorrendo a medicamentos. Como se houvesse somente duas opções: sofrer ou não sofrer.
Novas possibilidades
E mais uma vez, o conhecimento entra em campo nos permitindo perceber que há a possibilidade de buscar recursos e desenvolver novas maneiras de atuar a partir do contato com o desconfortável. De um lugar integrador, sendo necessário, muitas vezes, um acompanhamento terapêutico, não para fugir das experiências, isso seria impossível graças ao dinamismo e as contingências da vida, mas para poder passar por elas, atravessar as dificuldades adquirindo novas habilidades, novos recursos, novas maneiras de atuar.
Como dizia Rich Fromm, “A tarefa que temos que estabelecer para nós mesmos não é de nos sentirmos seguros, mas sim, podermos tolerar a insegurança”. Um acompanhamento pode ser muito importante nesses momentos, dado que foi através da relação humana, da corregulação, da capacidade de formar grupo que pudemos nos desenvolver como espécie. E assim ampliarmos nosso repertório, nos desenvolvendo ao longo das oportunidades que a vida nos oferece.
Quanto mais sabemos como funcionamos, mais resilientes e flexíveis podemos ser, sabendo que há a minha realidade e várias outras. E não OU várias outras. Com um olhar muito mais inclusivo, em que cabem outras possibilidades, e não exclusivo, ditando que é desta forma e acabou. Porque a realidade é construída dentro de cada um de nós, através do nosso mundo perceptivo individual, de forma que não há como mudar a atuação sem propor outro mapa, como se quiséssemos mudar a história do filme sem mudar o roteiro, não é possível.
É preciso abrir outras perspectivas e, sabendo que a minha percepção foi só uma de várias possibilidades possíveis, é um bom adianto, podendo aí fazer a escolha da que melhor me cabe. A que me dá um bom lugar interno, nem que para isso eu tenha que dominar meu ego e assumir que me equivoquei, que fui intransigente demais, que poderia ter feito de outra forma, afinal somos imperfeitos e estamos aqui para nos desenvolvermos.
No entanto, sabemos que nosso ego joga um jogo duro para que nossa máscara não caia, para que os outros mudem e nós não precisemos mudar. Como dizia Raul Seixas, “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. E esse é um grande desafio desse processo que, mentalmente, enquanto lemos esse texto, nos parece óbvio, lógico e claro, mas, na prática, não é bem assim. Porque facilmente nos confundimos com o nosso ego, como se fôssemos o ego. Então, reconhecer esse lugar da nossa essência, do nosso animal interno e como ele responde é fundamental para estabelecer uma relação franca com a gente mesmo.
O conhecimento das 5 Leis Biológicas é um enorme aliado nesse processo, dado que a nossa biologia não mente e nosso corpo irá expressar o que estamos sentindo e revelar como aquelas situações estão nos tocando, por mais que o discurso mental, racional, seja totalmente distinto. Por isso dizemos “a biologia não mente, mas a mente mente descaradamente”.
Então, se comecei o texto falando que a nossa vida não é feita de fatos, mas sim de interpretações, significados que damos a esses fatos, e ao longo dele falei de como se formam e como podemos oferecer outras interpretações e significados a esses fatos, quer dizer que se existe algo que me incomoda na vida, algo desconfortável, seja um comportamento, um sintoma, uma “doença” ou uma situação de vida, posso buscar outras interpretações e significados. Assim, estarei mudando a minha vida!
Agaton dizia, “nem Deus é capaz de mudar o passado”, mas podemos atuar no presente com um enredo diferente, porque quem vive no mesmo enredo enviesado vai encontrar no futuro aquilo que já vivenciou no passado. É nesse momento que vêm à mente (que sempre mente) frases como “mas comigo é sempre a mesma coisa”, “sempre acontece assim”, “sempre querem me puxar o tapete”, “sempre alguém me engana”, “não posso confiar nas pessoas” e tantas outras.
Para finalizar, digo, de uma percepção pessoal, com base em minha busca particular, em que tive acesso a muitas ferramentas, abordagens e filosofias que tornaram o caminho possível. E em todas elas o conhecimento proposto pelas 5 Leis Biológicas do Dr Hamer se apresenta de forma imensamente congruente e coerente, sendo um grande divisor de águas no meu processo. Quem sabe também pode ser no seu? Fica o convite!
*André Chediek é fisioterapeuta osteopata, constelador familiar e coordenador acadêmico da 5LB Brasil. Estuda as 5 Leis Biológicas desde 2010.